A condução do primeiro indígena a uma cadeira da ABL vem carregada de simbologia. A Cadeira 5, também foi a cadeira da primeira mulher da Entidade, Rachel de Queiroz e ficou recentemente vaga com a morte do historiador Jose Murilo de Carvalho, que a ocupava. Agora o novo membro da casa de Machado de Assis, um descendente dos povos originários, tem o aval para reescrever a história de seus ancestrais, tratados frequentemente pela literatura e pela história como seres de hábitos rudimentares e organização social primitiva.
Com o imortal Krenak os indígenas passam agora a figurar formalmente na mistura que formou as identidades da cultura brasileira e ganham força na luta contra as mazelas provocadas pelo colonialismo europeu que além de massacrar, relegou esses povos a um papel submisso dentro da sociedade brasileira. Não é uma conquista individual. Dessa vez a decisão da Academia foi sábia. Nem sempre foi assim.
É impossível calcular com precisão a dívida histórica que temos com os povos originários. A reparação das injustiças históricas com as etnias que habitavam esse chão, desde muito antes de nos tornarmos uma nação aos moldes europeus, vão muito além do reconhecimento concedido pelos membros da ABL a esse índio resiliente e lutador. Nesse momento, ganha ainda mais relevância a discussão de temas complexos, como o marco temporal, medida que pôs em campos opostos o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional.
Convém registrar, nesse sentido, o pioneirismo e a coragem de Ailton Krenak. É emblemática sua participação na Constituinte de 1987 ao pintar o rosto com tinta negra de jenipapo na tribuna da Câmara dos Deputados. Tal qual um guerreiro amazônico, o ativista denunciava o luto dos povos indígenas pela sistemática anulação de seus direitos. Foi graças a gestos como esse que a Carta Magna, que completou 35 anos na última semana, dedica especial atenção aos primeiros habitantes desta terra chamada Brasil.
O país ainda precisa fazer muito para pagar suas dívidas históricas. Há muitos problemas a serem enfrentados em diversas áreas. Precisamos para isso de ocupantes de cargos relevantes comprometidos com a construção de uma sociedade justa. A Academia Brasileira de Letras deu um passo importante nesse sentido. Como disse Machado de Assis no discurso da casa que inaugurou em 1897, a ABL tem “alma nova, naturalmente ambiciosa”. Almeja buscar, “no meio da federação política, a unidade literária”. Oxalá a nação brasileira se inspire nessas palavras.